12.3.08

O 25 DE ABRIL DE 1974 NUMA PEQUENA VILA DA BEIRA BAIXA

Portugal antes do 25 de Abril

Salazar governa o país até 1968, mantém as rédeas do poder desde 1933, que larga devido a um grave acidente cerebral. Com a sua substituição por Marcelo Caetano, Portugal começa a atravessar um período de grande prosperidade.
Em 1974 e relativamente à década de sessenta, o produto interno bruto tinha duplicado. A produção hidroeléctrica cobria 47% de toda a produção energética nacional. As obras públicas sofreram um acentuado impulso, construíram-se estradas, hospitais, pontes, tribunais, quartéis, estádios, bairros sociais, reconstruiram-se monumentos. A área arborizada atingiu em 1974 39%, finalmente acabava aquele Portugal árido e inóspito.
Em meados da década de sessenta a população atingia os nove milhões de habitantes. Começaria, porém, a baixar com a crescente emigração que se iniciara de modo acentuado em 1953 para atingir o "boom" nos anos sessenta.
A emigração trouxe enormes vantagens para o país - envio de avultadas remessas de fundos; aceleração da mecanização agrícola; aumento dos salários devido à escassez de mão de obra; modernização de aldeias e vilas.
Economicamente Portugal estava bem, não havia desemprego e os portugueses viam o seu nível de vida melhorar, ainda que de forma pouco acentuada.
Politicamente Caetano não havia procedido a qualquer reforma sigificativa. Porém a maioria da população mantinha-se completamente alheada da politica, para isso tinha sido determinante o largo consulado salazarista.
Porém esta aparente acalmia e satisfação breve iria terminar.
Em Fevereiro de 1961 centenas de militares do MPLA lançaram um ataque cerrado a prisões, quartéis e estação emissora de Luanda. Tinha começado a guerra colonial. A revolta de 1961 significava que o colonialismo português tinha os dias contados. A ida de milhares de jóvens para as provincias ultramarinas, incorporados nas Forças Armadas, onde muitos haveriam de encontrar a morte, outros mutilados para o resto da vida, criou na população portuguesa um forte sentimento de oposição à continuação da guerra colonial.
O movimeno militar do 25 de Abril de 1974 pouco teve de ideológico nas suas raízes. Foi, essencialmente, uma revolta de protesto contra a condição das Forças Armadas e a eternização da guerra colonial.

O "Meu" 25 de Abril

A manhã de 25 de Abril de 1974 não foi diferente do habitual. Barbear-me ao som da rádio. Acompanhar as notícias e, especialmente, as horas, porqueas 9 chegavam rápido. O Rádio Clube Português era a estação favorita: notícias, música e horas, o fundamental horas, que regulavam essa parte do dia. Havia um horário a cumprir.
Surpresa. Nessa manhã, para mim igual às outras, a minha radio favorita irradiava marchas militares. Estranhei. Eis que os acordes marciais são interrompidos, uma voz solene anuncia o que estava sucedendo. Militares vindo de Santarém tinham ocupado o Terreiro do Paço, em Lisboa. As forças do regime não ofereciam resistência.
As forças revolucionárias tomavam de assalto estações de rádio e a televisão. Nada se informava sobre o resto do país. Surpreendido mas avaliando que o Estado Novo
tinha uma estrutura poderosa pelo qe seria difícil uma rebelião ter êxito.
Ao pequeno almoço, rápido, comentei com a avó e a bisavó do Diogo e do Bernardo, o que estava a suceder em Lisboa. A capital do Império fica a 200 quilómetros desta pequena vila. É muito longe para se sentir um sentimento concreto.
Parti para a Fábrica. No caminho cruzei-me com algumas pessoas, ninguém comentou o sucedido. Nestes assuntos de política havia uma certa reseva da parte de todos. Só com pessoas de muita confiança nos permitíamos falar abertamente. Recordo-me que nessa manhã apareceu na Fábrica um técnico de manutenção vindo de Lisboa. Era da minha responsabilidade atendê-lo. Inquiri-lhe o que estava a suceder, claro a cidade é grande e não havia passado pelos pontos nevrálgicos, mas reparou ter-se cruzado na estrada com grande movimentação de soldados e blindados. De resto sabia tanto como eu.
Aqui, nesta pequena vila, o dia 25 de Abril desse longínquo ano, passou-se quase como os outros.À noite, como habitualmente, talvez mais pessoas que o habitual, os cafés estavam cheios. Apreciava-se e comentava-se o que a RTP apresentava sobre os acontecimentos de Lisboa. Mas havia muito medo, aquele medo que se tinha entranhado em todos nós desde há muitos anos e que o regime salazarista tinha inculcado nos nossos espíritos. Era cedo para prever se a Revolução teria sucesso, daí a reserva que todos manifestavam perante os acontecimentos.
E os dias foram passando, liam-se os jornais, ouvia-se a rádio, via-se a televisão. Cada dia que passava , à medida que a revolução se consolidava, as pessoas mostravam-se mais abertas e de acordo com os ideais revolucionarios.
Até que chegou o dia 1 de Maio - dia do trabalhador. A Junta Revolucionária tinha decretado feriado nacional.
Então as pessoas mais corajosas decidem, finalmente, apoiar o Movimento das Forças Armadas, organizando um cortejo. Marcada a concentração no largo principal da vila, o arranque foi díficil. Poucos manifestantes e alguns curiosos. Esperava-se que aparecesse mais gente, os organizadores temiam um fracasso.
Eis que surge a carrinha do Carlos do Banco (homem corajoso em todos os cenários e ex-combatente do Ultramar) toda engalanada com folhas verdes de arbustos e cravos vermelhos, símbolo do 25 de Abril. Pára e logo arranca em velocidade lenta rua acima. Os manifestantes, poucos, seguem-no e os curiosos tomam-se de coragem e juntam-se-lhes. Surgem pessoas com cartazes de apoio ao MFA e cravos, muitos cravos vermelhos. E o cortejo vai engrossando a medida que as ruas são percorridas
No largo da Igreja Matriz, que tem o nome de um antigo republicano local, improvisou-se um comício. Oradores inflamados exaltaram o MFA e manifestaram a esperança num Portugal democrático e justo para com todos os seus filhos. Muitos vivas, muitas palmas, muita alegria.

Aqui, nesta pequena vila da BeiraBaixa, o "25 de Abril" não foi a 25 de Abril, mas transferido para o dia em que o POVO sentiu que - finalmente - era livre.

Avô do Diogo Almeida

Sem comentários: